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Diretos democráticos
"A questão da laicidade do Estado é possivelmente um dos grandes pontos  chave
que trás em volta do ateísmo"
Causa Operária entrevista Daniel Sottomaior um dos fundadores da Atea -
Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, a organização foi impedida  de
colocar cartazes da organização em ônibus em quatro capitais do país
30 de abril de 2011
Causa Operária – Você pode explicar para os nossos leitores o que é a  ATEA, como
surgiu a iniciativa, como foi formada e quais são os seus objetivos?
Daniel Sottomaior – É uma organização de ateus no País. Ela surgiu no  final de
2008 com a necessidade de ajudar as necessidades que a comunidade ateu  tinha em
mente. Todos os grupos de interesses têm a tendência de formalizar para
conseguir agir mais eficazmente.
Na verdade, a grande pergunta é porque isso não foi feito antes. Você  tem
associações de bairros, grupos de ciclistas, clube de enxadrismo, todos  os
grupos com pessoas com interesses comuns acabam se organizando em torno  de
instituições e os ateus ainda não tinham feito isso no País. Isso estava
pendente há muito tempo. Temos muitos objetivos porque entendemos que  temos
muitas causas de interesse nosso que estão ainda em aberto. Como por  exemplo,
uma das importantes é a laicidade do estado, o estado é laico só  nominalmente,
mas de fato está muito longe disso. Uma das outras causas mais  importantes é a
questão do preconceito e da discriminação contra os ateus. Nós queremos  ocupar
um lugar na sociedade como iguais, como cidadãos plenos e não como  páreas
oficiais que entendemos que somos aos olhos da maior parte dos cidadãos.
Causa Operária – Qual a importância da defesa do ateísmo?
Daniel Sottomaior – Os ateus se dividem muito a respeito disso. Há  aqueles que
dizem que fazer proselitismo é errado. Que seria uma coisa  intrinsecamente
errada, má. Mas é uma posição que a associação não tem e eu pessoalmente  também
não tenho. Os partidos fazem proselitismo, o Greenpeace faz  proselitismo, os
religiosos fazem proselitismo, os fãs de futebol fazem proselitismo, eu  acho que
é um direito constitucional e não vejo nada de errado. Além do  proselitismo em
si tem a questão da exposição pública. Grande parte das minorias entende  isso,
eu acho que está correto, que parte do preconceito é ficar fechado em um  gueto.
Isto é um ciclo vicioso. O preconceito faz os grupos se fecharem e  quanto mais
fechados eles estão menos as pessoas conhecem sobre ele e mais eles  ficam sendo
os estranhos, diferentes. A gente entende que esse tipo de segregação  contribui
com o preconceito. A ideia da exposição não é somente fazer o  proselitismo, que
a gente sabe que muito dificilmente vamos ganhar um desconvertido, mas  em grande
parte para assim como os ecologistas tem necessidade de falar sobre suas  causas,
debater sobre a sociedade, nós também temos e achamos que esta exposição  já
contribui com o fim do preconceito e enquanto se achar que não se deve  falar
sobre o ateísmo a gente vai contribuir com o preconceito. A hora que a  questão
estiver sendo debatida nas mesas de bar, nas famílias, na mídia, a  tendência é
que o preconceito diminua.
Causa Operária – Tem-se a impressão de que a Atea foi formada mais
especificamente para defender os direitos dos ateus do que para defender  o
ateísmo como concepção do mundo. Você concorda com esta observação?
Daniel Sottomaior – Sim, concordo. Mesmo porque quando ela foi formada,  uma das
idéias que nortearam a definição de nossos objetivos era ampliar o  máximo
possível a nossa base de membros. Então nós poderíamos fazer uma  associação que
apostasse forte no proselitismo. Mas esse não foi o caso. Tem muitos  ateus que
não se interessam por isso e são até contrários. Decidimos investir mais  na
defesa dos direitos do que propriamente no proselitismo.
Causa Operária– A iniciativa mais evidente da associação foi a campanha  de
cartazes em ônibus. Como e quando surgiu a idéia da campanha nos ônibus  com
mensagens que expõem um pouco do que pensam os ateus?
Daniel Sottomaior – A ideia da campanha em ônibus não é original. Ela  surgiu na
Inglaterra estampando em centenas dos ônibus vermelhos em Londres e em  outras
cidades também. Depois se espalhou para outros países também: Espanha,  Estados
Unidos, Austrália, Suíça. Mais ou menos nesta época a ATEA foi fundada.  Neste
momento começamos a fazer propaganda nos ônibus. Praticamente todas as  campanhas
foram iguais as originais, o mesmo slogan, até a mesma identidade  visual, e a
gente achou que não tinha essa obrigação e que poderíamos dar outras  mensagens
que fossem mais adequadas. A criação das mensagens foi original, da  ATEA.
Algumas das frases são princípios dos ateus e foram adaptadas para o  contexto da
campanha, para aquele tipo de veículo.
Causa Operária – Como foi recebida a campanha no Brasil?
Daniel Sottomaior – Muito mal. Nós tentamos exibir a campanha em quatro  capitais
e nas quatro não conseguimos. A campanha foi recusada pelos exibidores  com uma
série de desculpas e motivos em cada uma delas. Por outro lado  felizmente
tivemos uma considerável atenção da imprensa. Tiveram matérias de  páginas
inteiras em jornais importantes no País de maneira que pelo menos em  matéria de
divulgação conseguimos o nosso objetivo inicial. Houve muitas pessoas  que
ficaram indignadas e que nos acusaram. Um dos motivos alegados foi que  nossa
campanha era discriminatória e não o contrário. Recebemos muitas vezes  essa
acusação e era uma reação de se esperar. É a primeira vez que os ateus  surgem
publicamente no país e não vejo nada de diferente na reação.
Causa Operária – Qual o principal objetivo com a campanha?
Daniel Sottomaior – Algumas ações como esta pode cumprir vários  objetivos ao
mesmo tempo. A entidade investiu na campanha exatamente por causa disso,  ela
poderia cobrir diversas bases em uma tacada só. Ela cobria a nossa  necessidade
de exposição pública, mostrando a sociedade quem nós somos e o que  pensamos que
nós existimos. Cumpria a nossa necessidade de dar esta mensagem,  contrário ao
preconceito. O mote que aparecia em todas elas "diga não ao preconceito  contra o
ateu". É uma coisa inédita aqui no Brasil, existe a campanha contra o
preconceito racial, homofóbico, mas não contra o preconceito contra os  ateus. De
certa maneira, esse mote atingia todas elas e em algumas das peças  falávamos um
pouco do que pensam os ateus.
Causa Operária – Quais organizações agiram para proibir a campanha?
Daniel Sottomaior – Em São Paulo, Salvador e Santa Catarina, ela veio  direta ou
indiretamente das empresas que contratamos para exibir. Em São Paulo foi  a
própria empresa. Em Salvador também as duas empresas negaram a cumprir o
contrato. Em Santa Catarina a empresa que nós contratamos alegou que a  recusa
veio das empresas de ônibus do qual eles alugam o espaço. No Rio Grande  do Sul
ficou um empurra, empurra de responsabilidades. A empresa que nós  contratamos em
São Paulo disse que foi um problema trazido do Rio Grande do Sul. Lá no  Rio
Grande do Sul e alguns jornalistas de associação patronal de  transportadores
coletivos disse que o veto foi dela e a versão que veio foi de que tinha  sido a
empresa de transporte municipal. Entramos em contato com as duas, depois  disso,
formalmente e elas se negam a prestar esclarecimentos formais. Não temos
formalmente a recusa. Ela aconteceu de fato, mas ninguém quer se  responsabilizar
por ela.
Causa Operária – Quais leis foram utilizadas para a censura contra a  ATEA?
Daniel Sottomaior – Aqui em São Paulo não foi uma lei, mas o contrato  das
empresas de ônibus que proibiria temas religiosos e Santa Catarina não  houve
alegação nenhuma de lei e tanto em Salvador com no Rio Grande do Sul foi  com
relação a uma lei que proibia conteúdo discriminatório. Tanto em  Salvador como
no Rio Grande do Sul a alegação foi que as nossas campanhas eram
discriminatórias e preconceituosas. A boa notícia é que no Rio Grande do  Sul nós
estamos contratando outdoors e aparentemente o contrato vai ser levado a  cabo e
possivelmente no máximo em um mês esses outdoors estarão nas ruas.
Causa Operária – Em sua opinião, estas iniciativas contra a ATEA fazem  parte de
uma ofensiva em geral contra os direitos democráticos da população? (por
exemplo, a perseguição e prisão do criador do portal Wikileaks)
Daniel Sottomaior – Eu não sei. Talvez de uma maneira indireta, mas eu  sinto que
o que foi muito imediato e sensível inclusive com algumas das empresas  acabaram
nos contatos conosco acabavam nos destratando, era uma motivação  claramente
religiosa. A pessoa se sentiu atingida pessoalmente e acabava sendo  bastante
agressivas com a instituição e comigo pessoalmente. As pessoas que  tratavam
sobre o assunto acabavam sendo bastante agressivas, não sei se daria  para falar
do contexto geral, mas era uma reação de fundo religioso muito nítido.
Causa Operária – O Tribunal de Justiça espanhol proibiu uma manifestação  de
ateus. Vocês da ATEA tem contato com estes grupos? Qual era a proposta  da
passeata e qual sua avaliação sobre a proibição?
Daniel Sottomaior – Eu tinha muito poucas informações. Não tenho contato  com os
ateus da Espanha, infelizmente. Das poucas informações que eu tive  parece que é
mais um dos efeitos das leis que podem ser chamas de leis de blasfêmia  que
existem no mundo para proteger o sentimento religioso. Você pode falar e
criticar o quanto quiser o restaurante do próximo, o time, o partido e  aí a
manifestação é livre. Mas a hora que você critica a religião do próximo,  as
pessoas te multam, prendem, silenciam. Do que eu soube da passeata deles  foi
exatamente esse caso, as críticas que eles estavam fazendo e pelo menos  em parte
são proibidas pela lei espanhola como são proibidas pela lei brasileira  em
alguns casos. Eu só tenho a lamentar. Eu acho que se existe liberdade de
expressão isso tem que valer de maneira geral enquanto não atinge as  pessoas
diretamente. Uma coisa é falar que se discorda do cristianismo que faz  mal à
sociedade e outra coisa é dizer "eu acho que este cristão é um canalha".  São
coisas completamente diferentes. Nós somos contra o homem xingar outro  homem.
Não estamos aqui para falar mal de nenhuma pessoa, mas temos críticas  muito
importantes as instituições e as ideias e temos o direito de fazer isso  embora a
lei em determinados casos nos proíba.
Causa Operária – Quais mecanismos a Igreja utiliza para controlar as
instituições e o Estado?
Daniel Sottomaior – Tem uma infinidade. No Brasil, o caso que conheço  melhor, os
mecanismos são os mais diversos. Existe desde a simpatia dos fiéis. O  fiel pode
não estar a mando ou sequer em contato nem com padre, bispo ou cardeal,  mas ele
depois de ter sido doutrinado por muitos anos ele vai reproduzir o  ideário no
qual ele foi doutrinado e vai agir como se fosse um membro da hierarquia  da
Igreja. Se o indivíduo católico sente que a nossa crítica são ofensivas a  Igreja
ele vai agir de toda a maneira que estiver no alcance dele para ir  contra isso.
Se você tem um Juiz que tem um crucifixo no seu Tribunal e alguém quer  retirar,
ele vai reagir de todas as maneiras que ele puder. Isso é algo disperso e
difícil de medir. Tem coisas mais objetivas. Em geral as instituições  têm poder
com dinheiro. Uma das maneiras que as Igrejas têm para conseguir  dinheiro é
através do estado. Elas criam instituições que teoricamente são  filantrópicas ou
tem algum fim filantrópico e com isso elas conseguem arrecadar dinheiro  público.
O "pulo do gato" é que estas instituições não fazem só filantropia,  fazem
filantropia e atividades evangelizadoras. O estado paga pela  filantropia, mas
este dinheiro acaba indo para financiar atividade fim da Igreja:  evangelização,
cultos, bispos etc.
Este é o caso das pastorais da criança por exemplo, eles recebem uma  tonelada de
dinheiro público e parte deste dinheiro é utilizado para os fins  próprios da
Igreja. O dinheiro que deveria ser usado para servir às crianças e acaba  sendo
utilizado para cultos e rodas de estudos bíblicos.
E ultimamente o mais poderoso instrumento que a Igreja Católica tem é  uma
concordata e poucas pessoas sabem. O governo Brasileiro assinou um  acordo com o
Vaticano que dá uma série de benefícios à Igreja Católica que nenhum  outro culto
tem, incluindo a proteção aos símbolos e dinheiro. O Estado brasileiro é  agora
obrigado a colaborar com móveis e imóveis da Igreja Católica. Quem tem  dinheiro
está escrito e isso é um tratado internacional e tem nível hierárquico  em nossas
leis. O congresso a princípio não tem nenhum poder para alterar um  instrumento
como este. Está fora do voto popular. É um instrumento fortíssimo para a  Igreja
conseguir aquilo que quer. Fora mensagens com o ensino religioso,  mensagens
religiosas nas repartições públicas, em nosso dinheiro até. Existe uma  ampla
rede de ações dos mais diversos tipos que os grupos religiosos em geral e  a
Igreja Católica em particular vem para controlar o estado e os cidadãos.
Causa Operária – O que a ATEA fez com relação à censura?
Daniel Sottomaior – Nós temos duas alternativas e estamos perseguindo as  duas.
Uma é procurar outras mídias e é o que estamos fazendo em outras  cidades. Espero
que tenhamos os outdoors no Rio Grande do Sul. Possivelmente ônibus no  Rio de
Janeiro, eu tinha a informação de que no Rio de Janeiro tinha uma lei  que
impedia mensagens religiosas, mas duas semanas atrás, um grupo que  estava
anunciando o fim do mundo anunciou no ônibus no Rio de Janeiro.
Veio a tona a possibilidade de que essa lei não existe e mentiram para  nós ou
essa lei existe e está desvinculada a termos religiosos, agora nós temos  meios
legais de tentar conseguir alguma coisa no Rio de Janeiro. Legalmente já  temos
uma ação em Salvador para pressionar a decisão de vetar os nossos  anúncios.
Causa Operária – Qual a importância, em sua opinião, do ateísmo na atual
situação política do mundo?
Daniel Sottomaior – É uma coisa muito debatida entre os ateus. Há uma  série de
motivos diferentes. Um deles é a nossa concepção que está muito bem  ancorada nos
fatos de que poucos grupos religiosos estão efetivamente interessados na
laicidade do estado. Isso deveria estar no topo das prioridades de  grande parte
deles, mas não é isso. O que você vê é quase sempre os grupos religiosos
dominantes não tem interesse nenhum em uma laicidade efetiva. Tem  vínculos
fortes com o estado, que é o caso do Brasil, em suma "não querem largar o  osso".
Eles criam bancadas políticas no Congresso, no Executivo e o que  acontece é que
isso traz uma série de conseqüências não só por liberdades religiosas de
minorias que são sempre atingidas como até o bolso do contribuinte. Há  países
que explicitamente financiam as Igrejas com mecanismos constitucionais  até
países como o Brasil que a princípio são laicos e que o dinheiro de  todos os
contribuintes está chegando para financiar atividades confessionais. A  questão
da laicidade do Estado é possivelmente um dos grandes pontos chave que  trás em
volta do ateísmo por que você não vê os grupos religiosos com o mínimo  de
empenho em promover a laicidade, muito pelo contrário. Quase sempre eles  estão
lutando contra. Eles sempre querem um tipo de vínculo que os beneficiem.  Eles
não estão interessados na liberdade e igualdade plena. Eles querem um
diferencial que é particularmente tanto cristãos como muçulmanos e  outros grupos
fundamentalistas.
Causa Operária – Como a ATEA vê as iniciativas da direita religiosa
norte-americana e do Vaticano para cercear os direitos das mulheres,  impor a
educação religiosa nas escolas, impor às instituições científicas a  doutrina
absurda do criacionismo e outras iniciativas reacionárias e  obscurantistas
semelhantes?
Daniel Sottomaior – Isso que acontece nos Estados Unidos com a direita  religiosa
e o Vaticano a gente vê aqui no Brasil numa escala diferente, mas que
qualitativamente idêntico em minha opinião só tende a crescer. Se você  falasse
20 anos atrás em criacionismo aqui no Brasil as pessoas iriam rir. Agora  isso
está no Supremo. O Supremo (Tribunal Federal) pode decidir agora sobre o
criacionismo e o ensino religioso nas escolas públicas de caráter  proselitista.
O crescimento político das igrejas evangélicas mudou completamente o  cenário a
ponto que as questões que você vê lá, acaba vendo aqui. A gente teve os
conceitos que teriam lá e aqui: o ensino religioso nas escolas, a  questão do
aborto, células tronco, criacionismo, todas estas questões estão  chegando aqui.
Tem até cursos superiores ensinando criacionismo para não falar nas  escolas
públicas. A questão do aborto nas eleições presidenciais, as células  tronco
foram parar no Supremo aqui, enfim estas iniciativas todas também tomam  por uma
defesa forte do estado laico e aqui no País você simplesmente não vê. Ao
contrário dos Estados Unidos eu realmente não vejo nenhuma mobilização
substantiva pela defesa do Estado Laico, com pouquíssimas exceções de  alguns
políticos e partidos, são vozes conflitantes com o resto que confirmam a  regra.
Vozes que não chegam na mídia, não temos uma cultura que defenda a  laicidade
para atacar todas estas questões e que em minha opinião a coisa está  indo morro
abaixo. O direito das mulheres, por exemplo, tem perspectivas muito  ruins com
relação a isso.
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